Câmara aprova emenda que proíbe presos provisórios de votar em eleições
A Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira, 18 de outubro de 2024, uma emenda que retira o direito de voto de presos provisórios no Projeto de Lei Antifacção. A mudança, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), recebeu 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção — um resultado esmagador que reflete o clima político atual. A proposta agora segue para o Senado Federal, onde será analisada antes de se tornar lei. A justificativa de van Hattem é direta: "o voto é expressão da plena cidadania, pressupõe liberdade e autonomia de vontade, condições inexistentes durante a custódia". Em outras palavras, ele argumenta que quem está preso — mesmo que ainda não tenha sido condenado — não pode exercer plenamente um direito político. A emenda não suspende direitos permanentemente, mas apenas enquanto durar a prisão preventiva. E isso, segundo o autor, não viola a presunção de inocência. "É uma medida técnica, não punitiva", disse ele após a votação.
Por que isso muda tudo?
Atualmente, a Constituição Federal de 1988 garante o voto a todos os cidadãos maiores de 16 anos, exceto os analfabetos, os condenados em sentença definitiva e os interditados judicialmente. Os presos provisórios — pessoas detidas por investigação ou processo em andamento — têm direito ao voto porque ainda não foram julgadas. Em 2024, mais de 6 mil desses eleitores votaram em eleições municipais, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso acontece em mais de 200 presídios e centros socioeducativos espalhados pelo país, onde seções eleitorais são montadas sempre que houver pelo menos 20 eleitores aptos. O custo operacional dessas seções é alto: transporte de urnas, segurança policial, logística de identificação e até transporte de agentes eleitorais. A emenda quer acabar com isso. "O Estado não pode gastar R$ 2,3 milhões por eleição só para permitir que 6 mil pessoas votem em presídios", afirmou um técnico do TSE em reunião fechada no mês passado.Historicamente, o voto nas prisões já foi comum
Nas eleições de 2012, 14.671 presos provisórios e adolescentes em medidas socioeducativas votaram em 207 locais, principalmente em São Paulo, Amazonas e Bahia. Em 2022, o número subiu para quase 13 mil. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) já explicou que só perde o direito de votar quem tem condenação transitada em julgado — ou seja, sem mais recursos possíveis. O que está em jogo aqui não é a punição, mas a logística. "É um debate de eficiência, não de justiça", disse a advogada Cláudia Mendes, especialista em direitos humanos. "Se a Constituição garante o voto, por que o Estado não se organiza para cumprir?". Ela lembra que países como Alemanha e Canadá permitem o voto de presos condenados, sem restrições. No Brasil, a discussão sempre girou em torno da presunção de inocência — e agora, de repente, o foco mudou para o custo.Os tribunais não estão de acordo
Enquanto a Câmara aprova a emenda, tribunais regionais seguem com projetos contrários. Em Rio de Janeiro, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) lançou em novembro de 2024 o projeto "Democracia Além das Grades", que pretende garantir o voto a presos provisórios nas eleições de 2026. A ressalva? Nenhuma unidade com ligação comprovada a facções criminosas participará. "Não é sobre negar direitos, é sobre segurança", explicou o desembargador Cláudio de Mello Tavares, vice-presidente do TRE-RJ. No Rio Grande do Sul, o TRE-RS já realizou, em fevereiro de 2024, uma reunião com 13 órgãos públicos para garantir que o voto fosse respeitado nas eleições de 2024. "A lei é clara. Não podemos ignorar a Constituição só porque é inconveniente", disse Raphael Gonzalez Alves, chefe de gabinete do TRE-RS.Quem ganha e quem perde com essa mudança?
O impacto é real. Nos estados com maior população carcerária — São Paulo, Minas Gerais, Bahia —, a ausência de votos de presos provisórios pode alterar resultados em municípios pequenos, onde a diferença entre candidatos é de poucas centenas de votos. Em 2022, em São Bernardo do Campo, um vereador foi eleito com 1.200 votos — e 87 vinham de presídios. Em 2024, esse número não existirá mais, se a emenda for aprovada no Senado. A oposição, liderada por Psol e Rede, classificou a medida como "autoritária e discriminatória". "É um passo para a desumanização do sistema prisional", afirmou a deputada Duda Salabert (Psol-MG). "Se você não é condenado, você é cidadão. Ponto final."
Quais os próximos passos?
A emenda precisa ser aprovada pelo Senado até abril de 2025, para valer nas eleições de 2026. Se for aprovada, o TSE terá que reescrever os manuais de logística eleitoral e treinar mais de 100 mil mesários. Mas há um problema: a Constituição não pode ser ignorada por lei ordinária. Se o Senado aprovar, a medida provavelmente será questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes já defendeu em decisões anteriores que "o voto é um direito fundamental, não um privilégio de quem está livre". O STF pode derrubar a emenda por inconstitucionalidade — e aí o debate volta ao início.Como funciona o voto em prisões hoje?
- A pessoa precisa estar presa sem condenação definitiva (preso provisório). - O presídio precisa ter pelo menos 20 eleitores aptos. - O TSE monta uma seção eleitoral dentro da unidade, com urna eletrônica e mesários. - O voto é secreto, e os presos usam identificação oficial para votar. - Adolescentes internados por medidas socioeducativas também votam, se tiverem 16 anos ou mais. - O processo é supervisionado pelo Ministério Público e pela OAB.Frequently Asked Questions
Por que a emenda diz que não viola a presunção de inocência?
A emenda afirma que a suspensão temporária do voto durante a prisão provisória não é uma punição, mas uma medida administrativa. Ela não antecipa a condenação, nem implica culpa — apenas reconhece que, enquanto a liberdade está restrita, o exercício pleno da cidadania política é tecnicamente inviável. O direito é suspenso apenas enquanto durar a custódia, e será restabelecido se a pessoa for absolvida.
Quantas pessoas realmente votam nos presídios?
Em 2024, foram mais de 6 mil presos provisórios que votaram. Em 2022, esse número chegou a 12.963. Os maiores volumes ocorrem em São Paulo, Bahia e Amazonas. Mas em muitos estados, o número é baixo — alguns presídios têm apenas 5 ou 10 eleitores aptos. A logística é cara, e muitos presos nem sabem que podem votar.
O que acontece se o Senado aprovar, mas o STF derrubar a emenda?
A decisão do STF prevalece sobre a lei. Se o Supremo considerar a emenda inconstitucional, o voto de presos provisórios volta automaticamente a ser garantido. Isso já aconteceu em outras decisões, como quando o STF derrubou a Lei da Ficha Limpa em casos específicos. A Constituição é a lei máxima — e o voto é um direito fundamental nela.
Por que o TRE-RJ quer manter o voto, mas exclui presos de facções?
O TRE-RJ argumenta que unidades com forte presença de facções criminosas representam risco à segurança pública e à integridade do processo eleitoral. O objetivo não é punir, mas evitar que o voto seja manipulado por líderes dentro das prisões. É um equilíbrio entre direito e segurança — algo que a emenda da Câmara ignora completamente.
Essa mudança afeta adolescentes em medidas socioeducativas?
Sim. A emenda abrange também adolescentes de 16 a 21 anos internados, que atualmente têm direito ao voto. O TSE os considera "eleitores aptos" desde que não tenham sido condenados em sentença definitiva. Se a emenda for aprovada, esses jovens perderão o direito de votar mesmo que estejam em centros educativos, não em prisões comuns — o que levanta sérias críticas de especialistas em direitos da infância e da juventude.
O que os países europeus fazem nesse caso?
Na Alemanha, Canadá e Áustria, presos condenados ainda votam. Na França, só perdem o direito quem é condenado por crimes eleitorais. O Brasil é um dos poucos países que mantêm o voto para presos provisórios, mas não para condenados. A emenda proposta tenta alinhar o Brasil a modelos mais restritivos — mesmo que isso vá contra a própria Constituição.